12/08/2022

Já há décadas, pais e educadores ouvem que precisam investir em computadores a fim de preparar as crianças para o mundo contemporâneo. Mas não há evidências de melhorias em matemática ou linguagem.

Você se lembra do quanto os computadores eram temperamentais? De quando quebravam sem motivo e de quando você tinha de clicar “salvar” a cada 5 minutos, por medo de que poriam todo o seu trabalho a perder?

Senti essa velha frustração recentemente, em visita a uma escola de segundo grau de Londres, onde estava ajudando a dar uma aula sobre fake news. As crianças todas receberam laptops para preencher um questionário on-line. Mas a maioria deles não conseguia se conectar ao WiFi. Meia hora depois, um professor tomou emprestado um conjunto de laptops de aparência mais nova no departamento de matemática. Eles também não funcionaram. Vi, horrorizado as crianças, brilhantes e curiosas no começo, ficarem entediadas e rebeldes. “É sempre assim”, disse um membro da equipe dando de ombros.

Já há décadas, pais e educadores ouvem que precisam investir em computadores a fim de preparar as crianças para o mundo contemporâneo. No Reino Unido, um aumento significativo em gastos com tecnologia teve início no governo Tony Blair [1997-2007] e, em 2019, havia 3,3 milhões de computadores em todas as escolas de primeiro e segundo graus. Durante a pandemia, o governo prometeu entregar mais 1,8 milhão de laptops para crianças de baixa renda, para poderem estudar a partir de casa.

Mas os resultados das pesquisas sobre se os computadores melhoram ou não a educação são desencontrados. O programa The One Laptop Per Child, lançado em 2005, distribuiu laptops de baixo custo carregados com livros e com software educacional para milhões de crianças de países em desenvolvimento. Mas em 2012 o primeiro estudo de grande escala sobre seus efeitos não detectou evidências de que ele tenha melhorado as habilidades em matemática ou linguagem dos destinatários, embora tenham parecido, de fato, elevar seus resultados de testes cognitivos. As crianças usavam os computadores principalmente para digitar, acessar a jogos e música.

Há estudos que mostram efeitos positivos, entre os quais em dar uma aula em diferentes velocidades, de acordo com suas capacidades. Mas, embora a prodigalidade de Blair com tecnologia tenha parecido melhorar os resultados em inglês e em ciências, seu impacto sobre os resultados dos testes em matemática foi “muito próximo de zero”.

Uma grande quantidade de pesquisas, naturalmente, prova o que todo progenitor já sabe: o YouTube e os jogos tendem a ser mais divertimento do que dever de casa. A Brookings Institution observou em 2020: “As evidências sugerem que as crianças não aprendem mais do contato com laptops do que do contato com livros didáticos”.

Talvez estejamos abordando a tecnologia da maneira errada. Nas escolas, as crianças aprendem um novo tema ou uma nova habilidade na aula e depois simplesmente reforçam o conhecimento com o uso de um computador, por exemplo.

Deveríamos ensinar as crianças a fazer as perguntas certas e a traduzi-las em termos matemáticos passíveis de serem entendidos por um computador. Quando o computador tiver feito o cálculo, os alunos precisam saber como checar os resultados e como interpretá-los. É isso o que desperta o interesse das crianças, de qualquer maneira. Na nossa aula de fake news, a maioria tinha uma compreensão mais sofisticada de como interpretar a internet do que eu, discriminando com facilidade informação incorreta, desinformação e informação maliciosa (a informação criada deliberadamente para prejudicar).

Será que não podemos automatizar uma parcela maior do nosso trabalho para que possamos focar nas áreas em que os seres humanos agregam valor? Me parece que, se continuarmos usando nossos computadores para tarefas triviais, sem nos dar ao trabalho de questionar seriamente a maneira pela qual eles se encaixam em nossas vidas, pode vir um tempo de inversão radical de papéis e em que o papel enfurecedor, temperamental e frustrante dessa relação deixe de ser desempenhado pelo meu velho laptop e passe a ser desempenhado por mim.

Valor Econômico; 12/08
http://glo.bo/3zS25F9