05/09/2022
Nas comemorações do bicentenário da Independência, enaltecer as forças femininas durante o período vira livro e podcast

Ao se debruçar na história da Independência do Brasil à procura da atuação feminina nos acontecimentos políticos de 1822, depara-se, sim, com mulheres. Algumas, como Maria Leopoldina e Maria Quitéria, não caíram no anonimato como outras tantas, porém, mesmo elas não foram reconhecidas ao longo dos últimos 200 anos.

Para resgatá-las e trazer à tona outras biografias femininas que desempenharam papel importante na luta e no processo de libertação do país, a historiadora e idealizadora do projeto, Heloísa Starling, e a roteirista Antonia Pellegrino lançam o livro ‘Independência do Brasil – As Mulheres Que Estavam Lá’ (Editora Bazar do Tempo). Às vésperas do lançamento da obra, a revista Aventuras na História conversou com as autoras.

Como foi a participação feminina nas lutas pela separação do Brasil de Portugal? – Seja no Brasil colonial ou na Europa, os usos e costumes do final do século 18 e da primeira metade do século 19 não recomendavam às mulheres se arriscarem para fora da esfera doméstica; se fosse o caso de tentar, elas podiam até ganhar a vida como próprio trabalho, sustentar maridos ou, na Europa, manter salões ilustrados.

Mas de jeito nenhum deveriam reivindicar participação política. Isso era proibido. Havia mulheres, contudo, decididas a governar a própria vida, que ameaçavam as convenções morais e sociais estabelecidas e dispostas a desafiar o mundo proibido da participação política.

Também levaram a sério um projeto de Independência para o Brasil. Viveram esse projeto de maneiras diferentes, partiram de patamares sociais desiguais, e atuaram de forma diversa: algumas dessas mulheres empunharam armas, outras se engajaram no ativismo político. Mas todas elas recusaram o lugar subalterno que lhes era reservado.

Essa participação atingiu todas as classes sociais e regiões do país? – Sim, o livro tem histórias que se passam em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará… ou seja, as mulheres estiveram no “front” em todo o Brasil.

A obra retrata a atuação de mulheres pouco reconhecidas, como Maria Quitéria e Leopoldina, e de outras ainda bem desconhecidas. Por que essas histórias ficaram tanto tempo esquecidas? – Algumas destas personagens são nomes de ruas, praças e monumentos. Ou seja, não ficaram exatamente esquecidas, mas ficaram obscurecidas. Apagadas nas sombras do tempo. O que estamos fazendo agora é lançar luz sobre este conjunto de sete mulheres que fizeram, há 200 anos, o que, até hoje, é o mais proibido para a mulher: se meter com política.

Entre os relatos do livro, há a luta de uma menina de 10 anos de idade. Quem foi ela e o que ela fez? – Um panfleto foi composto, em versos, na cidade de Salvador, em 1822. Chama-se “Lamentos de uma Baiana”. Escrito por uma menina de 10 anos, nos dias 19, 20 e 21 de fevereiro de 1822. Seus versos inflamados contra a tirania da Coroa Portuguesa estão incluídos na história.

Sabemos que faz parte da sequência de acontecimentos que tecem a Independência e temos acesso direto a ele. Mérito do trabalho notável de reunião e análise dos panfletos da Independência, realizado pelos historiadores Marcello BasilleLúcia Bastos e José Murilo de Carvalho, e publicado pela Editora UFMG, em 2014. Mas sobre a sua autora pesa um enorme silêncio.

Não sabíamos nada sobre ela – até a historiadora Patrícia Valim mergulhar em arquivos para retirá-la do esquecimento. O esquecimento é portador do silêncio, da indiferença e da obscuridade. Esconder-se ou esconder algo no esquecimento: o verbo esquecer, em grego, é ambíguo “eu me esqueço” pode ser entendido também como “eu me escondo”. A autora do panfleto – a jovem mulher que fala na cena pública – ficou escondida, permaneceu fora do relato que a história faz da Independência por 200 anos até aqui. Seu apagamento acaba nas páginas deste livro.

Indo além da atuação pela Independência, vocês notaram algo em comum entre essas mulheres? – Elas têm em comum o fato de serem mulheres pioneiras, de terem se insurgido contra as regras do seu tempo. E várias delas gostam de botânica. Nossa hipótese é que o espaço da natureza era um espaço de reflexão.

Que lições podemos aprender com elas 200 anos depois? Ou qual a importância de trazê-las à tona em pleno século 21? – Em 2022, o Brasil vive um tempo sombrio e existe risco real para a democracia no país. Convocar a força dessas mulheres e conferir permanência à ação política que elas realizaram para mostrar onde estão fincadas as raízes das ideias de liberdade, soberania e república entre nós pode nos dizer muita coisa sobre o brasileiro – e a brasileira – que um dia já fomos – ou poderíamos ser.

Aventuras na História; 04/09
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