16/09/2022

Revista Retratos da Escola, 16/09
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A reforma do ensino médio não é reformável. Seus efeitos perversos, que já estão sendo observados nas pesquisas, não são tratáveis ou corrigíveis por meio de ‘revisões’ da política educacional. Eles são estruturais, pois o NEM é uma reforma de currículo que não envolve investimentos massivos para a realização das promessas veiculadas na propaganda oficial e chanceladas pelos apoiadores bilionários.

(Por Fernando Cássio/UFABC e Débora Cristina Goulart/USP Guarulhos) – Políticas indutoras pontuais, a exemplo do Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, não respondem às grandes demandas do ensino médio no país. Segundo dados do Censo Escolar 2021 (BRASIL, 2021), o Brasil tem 6,84 milhões de estudantes no ensino médio público, entre escolas estaduais, federais e municipais urbanas e rurais. Desse total, 5,71 milhões de estudantes estão matriculados/as em escolas de tempo parcial.

Na prática, a criação, em diversos estados, de um número extremamente limitado de ‘escolas-piloto’ de jornada ampliada vem criando redes de ensino paralelas, que atendem somente os/as estudantes mais privilegiados/as das redes públicas10. Da mesma forma, sem investimentos em ampliação física e nas equipes escolares (contratação de novos/as profissionais da educação e valorização dos/as existentes), não é possível que a flexibilização do currículo do ensino médio em itinerários formativos venha a beneficiar aqueles/as cuja condição de escolarização sempre foi mais precarizada. A estratificação educacional é, nesse sentido, um efeito inexorável da reforma.

O NEM aprofunda a fragmentação do ensino médio, expulsa setores da população jovem da educação básica, superficializa a formação escolar, intensifica drasticamente o trabalho docente, barateia a qualificação profissional da juventude, cria novas barreiras para o acesso ao ensino superior público – prejudicando especialmente estudantes que sempre tiveram as piores condições de escolarização –, e estabelece estruturas articuladas de privatização da educação, sobretudo com a ampliação do ensino a distância. É a reforma antipovo por excelência: aquela que oferece menos escola para quem mais precisa de escola.

A Carta Aberta pela Revogação da Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017), também publicada neste número de Retratos da Escola, expõe dez motivos para a revogação imediata do NEM, um projeto de educação avesso à democracia, à equidade e ao combate das desigualdades educacionais. Assinam a carta 282 associações científicas, sindicatos, entidades representativas, movimentos sociais, coletivos e grupos de pesquisa vinculados à educação e ao ensino – um recorde de rejeição a uma única reforma educacional.

Considerando a importância das eleições gerais de 2022 para a afirmação de princípios democráticos fundamentais no Brasil, é urgente que construamos um debate público honesto que, a partir dos indicadores e dados educacionais já disponíveis, esteja aberto a problematizar as condições de implementação da reforma do ensino médio e seus efeitos deletérios na formação de milhões de adolescentes e jovens em nosso país. […]

A revogação da Lei n. 13.415/2017 é a única forma de estancar a tragédia social em curso no país e de recuperar um debate público e democrático construído a partir das comunidades escolares e movimentos de educação, com vistas à construção de um modelo de ensino médio público que beneficie quem mais precisa. Este dossiê é um esforço para a qualificação desse debate.