18/10/2022

Estadão, 16/10
https://bit.ly/3Scq5tE

São anos de conversas com meninas adolescentes, vítimas de abuso e exploração sexual. A grande maioria violentadas por homens mais velhos que se entendem no poder diante de corpos vulneráveis. Vulneráveis por precisarem do dinheiro, por não terem oportunidades. Vulneráveis pelo medo de pedirem ajuda, pelo medo de ameaças, vulneráveis por não saberem o que o abuso significa.

Falo sobre homens que buscam exercer seu poder, a todo custo, através do corpo da tal “novinha” – uma das expressões mais pesquisadas por brasileiros no site PornHub em 2014. Não à toa, são meninas com menos de 13 anos[1] as mais violentadas no país.

De onde vem isso? O que faz um homem chegar ao ponto de pagar por sexo com uma menina de 13 anos? – me perguntam frequentemente.

Um conjunto de fatores responde essa pergunta. Aqui chamo atenção para o que acredito ser um dos principais: a pornografia – hoje, principal fonte de educação sexual acessada por nossos meninos.

Então não, homens não são “assim mesmo”. A masculinidade como vimos hoje é construída e ensinada. E que papel a linguagem tem nesse processo?

Expressões ditas no cotidiano são como uma base para um iceberg de violências. Imagine um iceberg no mar: no fundo, há tudo aquilo que não percebemos como violência: frases, piadas, estereótipos que reforçam a inferioridade da mulher, objetificam o corpo da menina, culpam e a responsabilizam as vítimas pela violência sofrida.

No topo do iceberg estão as violências que vimos no noticiário – ou parte do que vimos. Ali estão os casos de violência doméstica e estupro.

Precisamos dar importância à essa base, para desconstruí-la. Do contrário, seguiremos enxugando gelo frente às violências contra meninas e mulheres.

Será que, um dia, representantes da nação falarão aos jovens sobre a construção de um país baseado em relações saudáveis, baseadas no amor, consentimento e respeito?

Por Amanda Sadalla, Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford e Graduada em Administração Pública pela FGV-EAESP. Já atuou com mais de 3000 estudantes e agentes públicos, na prevenção de violências contra meninas e mulheres. É cofundadora e Diretora Executiva da Serenas, organização sem fins lucrativos que atua para garantia dos direitos de meninas e mulheres