27/03/2023

Nexo,  26/03
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Escritora e professora Bárbara Carine Soares Pinheiro, idealizadora da primeira escola afro-brasileira, fala sobre educação antirracista, tema de seu novo livro

A lei que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira completa 20 anos em 2023. Mas ainda há diversos entraves que impedem a implementação da legislação.

“Vejo situações em que os pais buscam o antirracismo na educação, mas encontram escolas com estética, grade curricular e administração branca”, afirmou ao Nexo Bárbara Carine Soares Pinheiro, professora e escritora.

O novo livro de Pinheiro, “Como ser um educador antirracista”, que será lançado pela editora Planeta em abril, aponta caminhos para o desenvolvimento da prática antirracista em sala de aula. A escritora, duas vezes finalista do prêmio Jabuti, criou a primeira escola afro-brasileira registrada em uma Secretaria de Educação no país, a Escola Maria Felipa, em Salvador, na Bahia.

Em entrevista ao Nexo feita por telefone na quinta-feira (23), a autora comenta alguns pontos da obra, como o papel da família, dos professores e do poder público na educação antirracista.

Como os papéis de pais e professores se relacionam para garantir uma educação antirracista para crianças e adolescentes?

BÁRBARA CARINE SOARES PINHEIRO Tem um provérbio africano que diz: necessita-se de toda uma comunidade para educar uma criança. Acredito nisso. Toda comunidade que está em volta da criança faz parte do processo educacional.

Pouco adianta a escola potencializar crianças pretas e indígenas se seus familiares entregarem cultura eurocêntrica. É um esforço coletivo. Todo mundo precisa fazer sua parte.

A família precisa mostrar o pioneirismo africano ancestral, tecnológico e científico. Peças teatrais, animações e os centros de cultura são determinantes neste processo.

Como professores comprometidos com a educação antirracista devem lidar com pais que não o são? E o contrário?

BÁRBARA CARINE SOARES PINHEIRO O mais comum é a família ter essa consciência e a escola não. Vejo situações em que os pais buscam o antirracismo na educação, mas encontram escolas com estética, grade curricular e administração branca.

Vejo que professores e professoras devem estudar sobre África além do samba, do candomblé, da feijoada e saber de fato o que os ancestrais produziram.

O que falta melhorar no papel do poder público para garantir uma educação com recorte racial?

BÁRBARA CARINE SOARES PINHEIRO O poder público tem responsabilidade no papel da formação dos professores e professoras. Não adianta colocar nas escolas apenas objetos que se referem à cultura afro-brasileira.

É preciso fornecer boas condições de trabalho para esses docentes. No Rio de Janeiro, por exemplo, há escolas em que os professores recebem 14º salário se houver comprometimento com a aplicação da lei que obriga ensino afro.

Após 20 anos da sua criação, como avalia essa lei que obriga ensino de história afro-brasileira nas escolas?

BÁRBARA CARINE SOARES PINHEIRO Avançamos, embora a implementação da lei seja tímida.

Professores e professoras pretos se formaram a partir do acesso às faculdades intensificado nos últimos anos. Diante disso, novos debates questionando a centralidade eurocêntrica na grade curricular foram impostos. Mas, ainda assim, nós estamos aquém do que deveria ser.

Quais outros desafios os docentes enfrentam no dia a dia? E quais práticas podem ser reformuladas?

BÁRBARA CARINE SOARES PINHEIRO São desafios do racismo estrutural. Professores brancos que não compreendem a dinâmica da infância preta. Professores pretos que reproduzem padrões preconceituosos.

Crianças negras carregam memórias ruins dos ambientes escolares e essas são abordadas na terapia [se houver] na fase adulta. Precisamos transformar as escolas em espaços afetivos.

Seu livro aponta, numa perspectiva da educação formal, que toda pessoa no interior de uma escola é educadora. Como isso funciona na prática da educação antirracista?

BÁRBARA CARINE SOARES PINHEIRO Toda escola dialoga com a criança. Não adianta durante a aula falar sobre os cabelos e a estética negra, citar rainhas do continente africano, se quando essa criança passar, por exemplo, na portaria, algum funcionário dizer que seu cabelo black não viu um pente hoje.

A escola em sua totalidade deve estar alinhada com o antirracismo. Toda pessoa no interior de uma escola é um educador.

Quais resultados observa na Escola Maria Felipa? Que aprendizados outras escolas podem buscar no exemplo dela?

BÁRBARA CARINE SOARES PINHEIRO No 5º ano letivo da escola vejo que as crianças, na maioria das vezes, têm mais conhecimento sobre África do que os pais. São relatos dos próprios familiares.

Observamos crianças com senso crítico, capacidade argumentativa, capacidade de articulação coletiva muito grande. Formamos pessoas para serem protagonistas em diversas frentes na vida adulta, não apenas no âmbito racial.