13/04/2023

Nexo  12/04
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Pode-se melhorar o currículo. Mas só vai dar certo mesmo no dia em que se fizer a principal, talvez a única, reforma do ensino realmente necessária: um aumento de 500% no salário dos professores.

 

Sempre é bom consultar as entidades envolvidas (em especial professores e alunos), de modo que não tenho nada contra o “freio de arrumação” imposto pelo governo Lula no caso da reforma do ensino médio.

Também não tenho nada contra a ideia geral apresentada pelo governo Temer. É um inferno ser obrigado a fazer três anos de química ou física quando se tem certeza de estar vocacionado para a dança, para o teatro ou para as letras.

O ensino de ciências deveria ser mais genérico, e menos voltado para a resolução de problemas com fórmulas e continhas que só são um condicionamento para testes de admissão.

Faço uma pergunta. Por que livros de história do Brasil ou de divulgação científica se tornam best-sellers entre o público adulto, constituindo leituras interessantíssimas para qualquer pessoa com alguma formação?

Os trabalhos de Laurentino Gomes sobre a independência do Brasil e a escravidão, os de Marcus du Sautoy sobre matemática, os de Stephen Jay Gould sobre evolução, vendem bem para o público geral.

Há centenas de outros assuntos capazes de familiarizar um estudante com o modo científico de pensar. Filosofia e história podem prover exemplos infinitos daquilo de que são capazes a inteligência, a coragem, a burrice e a covardia humanas.

Em vez de livros e mais livros didáticos com listas de exercícios torturantes, um adolescente poderia sair da escola com formação muito melhor se soubesse julgar o que é científico ou não, o que é superstição e o que não é, o que é realista e o que é delirante na vida social, o que faz ou não faz sentido em termos de ética e religião.

Com uma base razoável de português, lógica e matemática, qualquer livro de divulgação científica ou humanística poderia ser adotado para uso no ensino médio.

Mas sou suspeito nessa campanha. Embora tenha sido sempre bom aluno, minha antipatia pela vida escolar é sem limites. Como eu detestava tudo aquilo! Havia bons professores, às vezes. Só que até hoje sonho com provas e trabalhos para entregar. Passei muitos fins de semana, muitas madrugadas, sendo triturado por tarefas inúteis.

No mínimo, isso poderia ser feito no horário de aulas mesmo. Ah, não!! Ouço professores convictos da necessidade da lição de casa.

Pode-se melhorar o currículo. Mas só vai dar certo mesmo no dia em que se fizer a principal, talvez a única, reforma do ensino realmente necessária: um aumento de 500% no salário dos professores

Assustam-se e reagem negativamente ao saber que a inteligência artificial irá liberar o tempo dos alunos. Acho que logo mudarão de ideia, quando perceberem que a inteligência artificial também irá dispensá-los de corrigir sozinhos as tarefas que encomendaram dos alunos.

Enquanto isso, nova pesquisa anuncia que aulas antes das 9 da manhã não são recomendáveis.

Tenho certeza de que já estarei descansando no túmulo quando alguma escola ou faculdade resolver levar isso a sério e colocar a recomendação em prática.

Os objetivos básicos de toda instituição escolar são primeiro, aliviar os pais de passarem o dia cuidando das crianças. Depois, impor aos adolescentes uma vida de chateações, a ser compensada com entretenimento de péssima qualidade e alucinógenos químicos ou digitais. Terceiro, vender livros didáticos e posteriormente diplomas.

Produz-se, com variações aqui e ali, uma população incapaz de ler, de escrever ou de pensar. Precisamos de censura na internet porque não ensinamos ninguém a desacreditar da cretinice que nela se divulga.

Pode-se melhorar o currículo. Mas só vai dar certo mesmo no dia em que se fizer a principal, talvez a única, reforma do ensino realmente necessária: um aumento de 500% no salário dos professores. Só assim atrairemos pessoas capazes de fazer o que estou pedindo.

Para ser menos radical, proponho o seguinte. Fim da lição de casa. E que o espaço das escolas, com seu tempo letivo, seja utilizado justamente para isso: para a lição de casa, acompanhada pelo professor. Aí, acho, estaremos perdendo menos tempo e enganando um pouco menos a nós mesmos.

O mais provável, em todo caso, é que terminem fechando as escolas de vez. Dada a frequência dos massacres e atentados, se não for pelo esgotamento do modelo, será por razões de segurança.

Marcelo Coelho é jornalista, com mestrado em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo). Escreveu três livros de ficção (“Noturno”, “Jantando com Melvin” e “Patópolis”), dois de literatura infantil (“A professora de desenho e outras histórias” e “Minhas férias”) e um juvenil (“Cine Bijou”).