Publicado originalmente pela FEPESP
“A escola deve enfrentar de fato o assédio, seja esclarecendo alunas, alunos, corpo docente e auxiliares, abrindo debates e investigando com seriedade que o assunto merece e punindo.” A opinião é da professora e cientista social Conceição Fornasari, diretora da Fepesp e do Sinpro Campinas, que em cinco perguntas fala sobre o ambiente masculino da universidade, a relação entre alunos e alunas, a raiz patriarcal do assédio e a permanente importância do dia 8 de Março, o #8M, para o debate.
1) O debate sobre assédio na escola geralmente é trabalhado pela mídia na perspectiva do bullying praticado entre estudantes. Queria saber da sua visão, enquanto professora: como você observa as relações entre alunos através do espelho do gênero?
A escola é um locus privilegiado para o conhecimento, debate, reflexão e ação, especialmente em um caminho que rume para o fim do preconceito e a descriminação não apenas das mulheres, mas também contrários à homofobia, racismo, entre outros. Muitas vezes as agressões, tratadas como bullying, refletem essas questões históricas. Mesmo as brincadeiras e anedotas, a divisão de tarefas e os materiais didáticos ajuízam a prática do preconceito e da desvalorização das mulheres.
2) Pensando na universidade, que infelizmente ainda é muito masculina: como é ser uma professora, que luta por paridade salarial e outros direitos, num ambiente assim?
Pelos dados apontados na pesquisa da Fepesp, realizada pelo Datafolha em outubro de 2016, entre os professores do setor privado da Educação Superior no estado de SP nessa parcela da categoria, 55% são homens e se virmos em alguns cursos o número aumenta significativamente. Já tivemos mais problemas de assédio, brincadeiras, piadas e tentativas de desqualificar nosso trabalho do que hoje. Infelizmente, o ser feminina e feminista ainda parece ser um “defeito”, a ponto dessa situação também ser uma constante entre os alunos de engenharia, por exemplo, e não apenas entre os professores.
3) O que está na raiz do assédio? Você ainda acha que ele é tratado de forma leviana?
Ser mulher, ser a provedora do “lar”, ser a que gesta os seres humanos e ainda desenvolver tarefas ditas masculinas e até ter atuação político-sindical incomoda e desafia boa parte da sociedade e não apenas dos homens. O que está na raiz é o próprio patriarcalismo, e vou mais além: o assédio moral praticado pelos patrões e chefes é muito mais intenso contra as gestantes e as mães pelo “ prejuízo” que a maternidade oferece ao capital. Somos a reprodutora da força de trabalho na medida em que quase 40% dos lares são chefiados por mulheres, exercemos a dupla e até a tripla jornada de trabalho.
Se formos jovens e belas, fica quase como uma obrigação assediar ainda que forma de velada, com assobios, olhares, comentários e “convites”. Se formos mais velhas, o assédio se manifesta de outra maneira, com comparação, com descrença de que continuamos capazes e assim por diante.
E ainda é tratado de forma leviana, pois quando se denuncia, o assunto é tratado com leveza e o deixa disso.
4) Enquanto mulheres, como podemos pautar melhor o assunto na escola e na mídia? O que falta para que todos os tipos de assédio sejam tratados com a seriedade necessária?
São duas questões distintas. Apenas sobre a mídia daria inúmeras teses e centenas de obras, o que está a olhos vistos: “mulher de boca fechada e de corpo de fora”, reforçando o assédio moral e especialmente o sexual! Sempre sem destaques, seja em filmes, em novelas, aí apenas se são as vilãs, para ser forte e ser protagonista a maldade fica como sinônimo. Que controle temos sobre a mídia? Nenhum. A chamada “alternativa” cumpre parcialmente esse papel, como, por exemplo, a sindical.
A escola, como destaquei acima, deve enfrentar de fato o assédio, seja esclarecendo alunas, alunos, corpo docente e auxiliares, abrindo debates e investigando com seriedade que o assunto merece e punindo.
5) Por fim, qual é a importância, na sua visão, de continuar enfatizando a associação entre o 8 de março e a luta das mulheres?
As diferentes possibilidades históricas da origem do Dia Internacional das Mulheres, reconhecido pela ONU em 1975, remontam de lutas de mulheres (e em muitos casos de homens) por melhores condições de trabalho e de vida e é mais atual do que nunca. Como diz Simone de Beauvoir, as conquistas das mulheres estão sempre ameaçadas, assistimos no Brasil atual, por exemplo, com a reforma da Previdência proposta pelo governo golpista. “Se não lutar, os direitos vão acabar” e “Nenhuma a menos, nenhum direito a menos” apresentam-se como destaques deste 08 de março.
Viva a mulher que luta, sempre!