03/11/2022

Folha de S. Paulo; 01/11
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Artigo, por Átila Iamarino: “Sem punição a quem gerar fake news, os ataques à democracia continuarão”

Enquanto os grandes líderes mundiais reconhecem a legitimidade das eleições de 2022, a vida de muitos brasileiros segue prejudicada por quem não aceita seu resultado. E sem punir quem gera desinformação em redes sociais, os ataques à democracia continuarão.

A adoção de uma nova tecnologia acontece em fases. Como o rádio. Uma coisa foi a comunicação entre os primeiros adeptos, que usavam o radiotransmissor para mandar e receber mensagens entre conhecidos. Outra foi a comunicação inaugurada com a radiodifusão e a comunicação em massa, quando as pessoas passaram a ter receptores em casa, o aparelho de rádio pelo qual só podem ouvir sem responder.

As redes sociais online passaram pelo mesmo. Enquanto incipientes, com usuários entre os mais educados e com mais acesso à tecnologia, elas foram o meio onde surgiram iniciativas de comunicação descentralizadas, quando movimentos como a Primavera Árabe de 2010 inspiraram a noção de que um iluminismo digital mudaria o mundo, trazendo educação e a verdade para todos.

Com a entrada de bilhões de usuários, as redes sociais viraram algo bem diferente. Aqui, isso aconteceu com a adoção em massa do celular. Chegamos a 280 milhões de chips de celular em 2014, mais de um por brasileiro. Um grande motivador dessa popularização foi o WhatsApp, instalado em 99% dos celulares, segundo a pesquisa Mensageria no Brasil.

Não temos celular, temos número de Zap. Em parte porque contornava o custo por SMS. Em parte pois mensagens de voz são mais acessíveis a quem é parcialmente alfabetizado. E muito pelo efeito de redes sociais onde cada novo usuário torna mais importante e valioso participar também. Serviços, vendas, pagamento, atendimento, entregas, briga de familiares, tudo isso já podia ser feito pelo Zap antes da pandemia.

Conforme as mídias tradicionais transitaram de redes sociais para meios de comunicação em massa, todas, jornais, rádio e televisão, foram cercadas e reguladas. Era claro para os governantes que todos esses meios tinham um alcance grande demais para serem usados sem responsabilização. Vivemos uma transição dessas, onde redes sociais se tornaram meios de comunicação em massa —meios de desinformação em massa, em muitos casos.

Sem a responsabilização para quem faz isso, mesmo que o resultado dessa eleição seja aceito, os meios para questionar qualquer eleição futura (ou a próxima pandemia) continuam funcionando. Como as conspirações do culto qanon contra a eleição do atual presidente dos EUA, que prevalecem circulando em outras redes sociais. E como mostra o caso de Nancy Pelosi, política também dos EUA que teve seu marido atacado em casa com uma martelada na cabeça desferida por um conspiracionista que gritava por ela, mesmo figuras de alto escalão correm risco.

Atila Iamarino é Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia