07/02/2023
BBC News via Folha de S. Paulo 06/02
https://bit.ly/40ytB7b

Para quem cresceu antes da chegada da internet e da popularização dos computadores pessoais, status intelectual era ostentar uma robusta coleção de livros de capa vermelha na estante da sala. Dezesseis volumes, de A a Z —ou melhor, de A a Zwingli, respectivamente a primeira e a última entrada—, com 130 mil verbetes.

Em tese, tudo o que havia de importante estava ali. Em suas lombadas caprichadas, lia-se o nome que impunha respeito e pompa: Enciclopédia Barsa.

A história dessa enciclopédia, que foi lançada poucos dias antes do golpe militar de 1964 e teve sua última edição impressa exatamente 50 anos depois, em 2014, envolveu grandes nomes da cultura brasileira e, para famílias que se preocupavam enormemente com os estudos de seus filhos, significou muita luta e, por vezes, endividamentos.

Desde o ano 2000, os direitos da publicação são da Editora Planeta, que comercializa ainda a versão impressa e também uma plataforma digital com o conteúdo, chamada de Barsa na Rede. Segundo a editora, são 170 mil usuários pagantes.

“O enfoque é no público escolar: alunos, professores, gestores e comunidade escolar. Além de outros interessados em temáticas de diversas áreas do conhecimento”, explica o diretor geral de negócios da empresa, Anderson Silva

O pontapé inicial dessa enciclopédica aventura foi dado pela empresária e editora Dorita Barret de Sá Putch (1914-1973).

Americana nascida na Califórnia, ela se naturalizou brasileira e vivia no Rio de Janeiro. Seu pai era editor-executivo da Encyclopædia Britannica, que apesar das origens escancaradas em seu nome, vinha sendo publicada nos Estados Unidos desde o início do século 20, em um negócio capitaneado pela Universidade de Chicago.

No Brasil, a empresária vislumbrou a oportunidade de lançar uma enciclopédia nacional. Mas não achava que simplesmente traduzir a Britannica resolveria as lacunas da cultura brasileira. Assim, em 1960, já à frente da operação Encyclopædia Britannica do Brasil, contratou o jornalista e escritor Antônio Callado (1917-1997) para chefiar a equipe local da operação.

Esse interesse comercial de Barret atendia a uma necessidade que já era conhecida no Brasil. De acordo com o historiador Pedro Terres, pesquisador do Centro de Humanidades Digitais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desde os anos 1930 havia um projeto nacional e estatal da criação de uma enciclopédia nacional.

“A ideia do governo era que fosse organizada pelo Estado e chegaram a chamar o [escritor] Mário de Andrade [(1893-1945)] para pensar o projeto”, conta ele. “Mas nunca foi para a frente, embora o Estado tenha continuado a financiar a ideia até os anos 1970. Nunca algo assim foi publicado.”

A Barsa foi lançada em 1964 com 30% de conteúdo inédito, totalmente produzido no Brasil. O restante foi feito com tradução de verbetes da Brytannica.

Hoje não há mais a figura do vendedor de enciclopédia, aquele quase folclórico sujeito que batia de porta em porta. A Barsa só é comercializada pelo site Barsa Shop, mantido pela editora.

Em 1964, quando a enciclopédia foi lançada, os 45 mil conjuntos da primeira impressão se esgotaram em oito meses —um tremendo sucesso. O auge das vendas, em 1990, significou 120 mil coleções vendidas. Em 2010, em um mundo já habituado a usar buscadores de internet e a enciclopédia colaborativa Wikipédia, foram apenas 8 mil.