19/10/2022

Valor Econômico, 19/10
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Economista francês, que lança “Uma breve história da igualdade”, refinou suas ideias na última década, em particular as questões políticas.

Há nove anos, o economista francês Thomas Piketty alcançou fama internacional graças ao livro “O capital no século XXI”. O mundo vivia o rescaldo da onda de protestos iniciada no mundo árabe em 2011 e espalhada de lá para a Europa, as Américas e a Turquia. Em Nova York, com o Occupy Wall Street, surgiu a palavra de ordem que simbolizaria aquelas manifestações: “Nós somos os 99%”, referindo-se à população que não é bilionária — o 1%.

Na esteira desses movimentos, o livro de Piketty forneceu a argumentação teórica e quantitativa que sustentou a crítica à injustiça social por esse ângulo. Desde então, como afirma o autor no início de seu recém-lançado “Uma breve história da igualdade”, a pesquisa sobre o tema se expandiu consideravelmente.

No mundo universitário, a expansão já ocorria desde os anos 1990, graças à capacidade de agregar uma quantidade impressionante de dados, hoje disponíveis online no site World Inequality Database. O acesso a informações sobre valores como o imposto de renda, heranças e a transmissões de posses fundiárias foi determinante para que o assunto chegasse

O sucesso de “O capital no século XXI”, porém, foi determinante para que uma série de perguntas passassem a ser formuladas publicamente. Quanta desigualdade é aceitável, ou ainda, desejável? Qual seria o nível de desigualdade que mais favorece ou prejudica o bem-estar e a prosperidade? Que tipo de medida é válida para combatê-la, quando a julgamos excessiva? É lícito impor uma taxação draconiana das fortunas para redistribuir renda? Até que ponto vale a pena ir no esforço igualitário?

Em “O capital no século XXI”, Piketty apresenta apenas esboços de respostas. O livro, à época de seu lançamento, foi interpretado como pessimista, porque sua fórmula célebre (r>g) indica que os retornos financeiros são por natureza superiores ao crescimento econômico e, portanto, à parcela da renda que fica nas mãos dos trabalhadores. Assim, as sociedades tendem a se tornar mais desiguais, exceto se houver um esforço tributário na direção contrária. E o fenômeno econômico tem consequências sociais e políticas: aqueles que obtêm mais renda acumulam propriedades e, em seguida, influência política.

Com “Uma breve história da igualdade”, o economista francês expõe suas opiniões em linguagem mais livre que nos livros anteriores, além de mais acessível ao público não especializado. Piketty abre sua introdução comentando que é um livro “mais curto”, já que são cerca de 300 páginas, enquanto os outros passavam de mil, cada um. E, assim como na introdução de “Capital e ideologia”, o autor reconhece que suas obras anteriores deixaram pontos pouco desenvolvidos, prometendo esclarecer dúvidas.

O economista defende que, apesar de repetidos retrocessos, desde o século XVIII existe uma tendência ao aumento da igualdade no mundo. O corolário é que essa “marcha para a igualdade” se deve a um equilíbrio tênue entre duas forças. De um lado, as lutas sociais que emergiram nos últimos três séculos, dos ideais iluministas às lutas anticoloniais, passando pelos movimentos de trabalhadores, das mulheres, de negros e imigrantes. Do outro, uma série de avanços institucionais que cristalizam as reivindicações desses movimentos, entre eles, na lista de Piketty: “a igualdade jurídica; o sufrágio universal e a democracia parlamentar; a educação gratuita e obrigatória; o seguro-saúde universal; o imposto progressivo sobre a renda, a herança e a propriedade; a cogestão e o direito sindical; a liberdade de imprensa; o direito internacional”.

A julgar pela sequência dos livros, a última década foi um período em que Piketty refinou suas ideias, em particular as implicações políticas. Em 2007, quando participou da formulação do programa econômico de Ségolène Royal, candidata à Presidência da França pelo Partido Socialista, o economista professava uma preocupação mais restrita, dedicada a resguardar a proporção da renda que chega às classes mais baixas. Hoje, propõe uma transformação social paulatina e longe de revolucionária. “É possível avançar gradualmente, por meio da evolução do sistema legal, fiscal e social, dentro deste ou daquele país, sem esperar pela unanimidade no planeta”, escreve. “Aliás, foi assim que se construiu o Estado social e a redução das desigualdades no século XX.”

Uma breve história da igualdade – Thomas Piketty. Trad.: Maria de Fátima Oliva do Coutto. Intrínseca, 304 págs., R$ 69,90